sexta-feira, janeiro 06, 2012

Unicef


Basta!
Artigo *Marie-Pierre Poirier


A cada dia, 129 casos de violência psicológica e física, incluindo sexual, e negligência contra crianças e adolescentes são reportados, em média, ao Disque Denúncia 100. Isso quer dizer que, a cada hora, cinco casos de violência contra meninas e meninos são registrados no país. Esse quadro pode ser ainda mais grave se levarmos em consideração que muitos desses crimes nunca chegam a ser denunciados.

Mesmo com os esforços do governo brasileiro e da sociedade em geral para enfrentar o problema, as estatísticas ainda apontam um cenário desolador em relação à violência contra crianças e adolescentes. Do total de 11.597 ocorrências registradas pelo Disque Denúncia entre janeiro e março deste ano, cerca de um terço representa casos de violência sexual, uma das facetas mais cruéis desse tipo de violação de direitos, por se manifestar, muitas vezes, de forma invisível e covarde. Um crime que deixa cicatrizes profundas em meninos e, sobretudo, meninas.

A violência contra a criança acontece independentemente da classe social, da cultura, da religião, da raça ou etnia. Pode ocorrer em qualquer lugar: dentro de casa, em escolas,unidades de atendimento socioeducativo, locais de trabalho e de lazer, nas comunidades e no ciberespaço. O agressor pode ser o mais insuspeito familiar, vizinho, professor, líder religioso, amigo e colega de trabalho, um policial ou a pessoa que tenha a guarda ou responsabilidade pela criança.

Sendo uma prática prevenível e intolerável, a violência física — incluindo os castigos corporais — e psicológica pode representar o início de uma série de outros abusos e violações de direitos, com impacto devastador a curto e longo prazos no desenvolvimento da criança. Ela força crianças e adolescentes a deixar suas casas e asleva para as redes de exploração sexual comercial ou do tráfico de seres humanos. Vale ressaltar que grande parte das vítimas de exploração sexual foi antes abusada ou maltratada por um parente ou alguém próximo de sua família. Em relação à exploração comercial do sexo, as vítimas de violência sexual, ao contrário de seus algozes, têmrosto, idade e cor. São, em sua maioria (75%), adolescentes e, grande parte delas, afrodescendentes vindas de famílias pobres.

É importante reconhecer que esses fatores tornam crianças e adolescentes maisvulneráveis à exploração. Entretanto, é fato que só há violência sexual contra meninas e meninos porque há pessoas capazes e dispostas a explorar essas vulnerabilidades, criando um fluxo de demanda perversa que aplica uma lógica de mercado aos corpos de crianças e adolescentes.

Infelizmente, os agressores têm como grande aliada a omissão de muitas pessoas e instituições, que se calam diante do fato, fingindo que ele simplesmente não aconteceu.

Alimentam, assim, a impunidade desse terrível crime.

Por esse motivo, é preciso acabar com a impunidade e condenar, no rigor da lei, os agentes, seja por ação ou omissão, dessa prática violenta. Além disso, é necessário incentivar a denúncia. O governo e a sociedade precisam aprimorar os mecanismos existentes de denúncia e criar outros. A sociedade precisa dizer claramente que o país não pode tolerar mais essas práticas.

O estudo das Nações Unidas de 2006 sobre a violência contra criança delineou recomendações sobre a importância dos sistemas de proteção à criança que devem incluir um foco claro e de longo prazo na prevenção, bem como o fortalecimento da capacidade da comunidade e do poder público em responder em situações de violência,exploração ou abuso.

Para tanto, requerem-se medidas articuladas entre os sistemas de segurança pública, de justiça e de garantia de direitos, envolvendo, especialmente, as políticas de assistência social, educação e saúde. Da mesma forma, as metodologias de enfrentamento da exploração sexual de crianças devem, necessariamente, envolver estratégias de prevenção da revitimização, proteção e acompanhamento das vítimas, de participação de adolescentes e empoderamento das famílias, uma vez que o núcleo familiar constitui o primeiro espaço de proteção da criança.

Assim, na Semana Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, é primordial dar vida à letra dos tratados, acordos e leis, colocando-os em prática por meio de uma Justiça amiga da criança e do adolescente. Da mesma forma, é crucial promover estratégias para mudanças de comportamento que deem visibilidade à questão da violência sexual por meio da discussão aberta que envolva toda a sociedade, inclusive as próprias crianças e adolescentes. A erradicação da violência sexual de crianças e adolescentes é um compromisso de cada um de nós. O Unicef está ao lado do Brasil nessa luta.

*Economista, representante do Unicef no Brasil

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