sábado, fevereiro 27, 2010

O Prazer do Saber é Íntimo

A ciência, a filosofia e qualquer outro área de saber, demoram anos e décadas para conseguir avançar em suas conquistas. Nem sempre se percebe de início o lado útil e pragmático de uma descoberta.

Um pesquisador e um estudioso têm que ser antes de tudo um ser paciente, de uma persistência acima da média. Há dados intermediários, dos quais dependem outros e outros.

Há dados ilusórios, que podem até fazer perder tempo ou invalidam conquistas anteriores. A vocação da pesquisa é árdua e exige dedicação integral.
Dedicação no entanto subentende outros aspectos dessa maratona.

É necessário antes de tudo que haja motivos de ordem subjetiva bastante fortes, que haja prazer no que se faz. Não é novidade.

Em qualquer área de atividade humana, a busca da perfeição envolve satisfação e bem-estar que justifiquem infindáveis horas de trabalho e até, como no caso do casal Curie - ou do Aleijadinho, especificamente em outra área - sacrifícios físicos que, no entanto não os impediram de trabalhar sem esmorecimento.

Esses motivos constituem o próprio impulso, a razão de alguém se lançar pelo caminho das pedras rumo a um resultado. Explicar esse impulso é tarefa temerária.
Freud o atribui à busca de satisfazer esses impulsos, que, de outro modo, poderiam responder por comportamentos desastrosos do ponto de vista social. Se dá a esse fenômeno o nome de sublimação, às vezes interpretado como a procura da perfeição ou do sublime no sentido do belo.

Na verdade, hoje se acredita que o processo não envolve necessariamente essa intenção, mas apenas dá uma utilização digamos produtiva à satisfação das pulsões inconscientes.

Gaston Bachelard vê, na origem do interesse pela pesquisa e investigação científicas, a imaginação, o sonho, o devaneio. A visão dele tem a ver com a primitiva explicação de Freud, embora a localize em sua própria área de trabalho, sem fixar sua origem e sem a generalização feita pelo pai da psicanálise.

Para Bachelard, isso se explica porque toda hipótese responsável por uma pesquisa está enraizada no processo criativo e livre pelo qual se imagina ou fantasia alguma coisa.

Existe até uma teoria, defendida por Jean Rancière e alguns adeptos ilustres, que explica o aprendizado como exercício do desejo do aprendiz e não como uma distribuição fragmentária do saber maior de um mestre por seus alunos, como acredita a visão tradicional da pedagogia.

O livro de Rancière chama-se O mestre ignorante, onde o autor conta o episódio de um mestre que apenas orientou – não “ensinou” – os estudantes para que aprendessem outro idioma e pudessem compreender ideias que ele próprio não dominava de todo.

Pensando bem, faz sentido, já que o maior obstáculo ao aprendizado é o desinteresse do aluno.

Uma outra face da questão está em que, em qualquer disciplina, o saber ético visa sempre explicar e/ou mudar a vida das pessoas para melhor. Se não for assim, é um saber que vira a cara à realidade.

Pode produzir apostilas, ensaios, monografias, livros e artigos em publicações especializadas, anais de congressos e seminários. Se ninguém, no entanto precisar desses dados para melhor compreender alguma coisa que tenha cheiro de gente e seus correlatos, eles serão certamente consumidos pelo fogo frio da inutilidade que arde em milhares de estantes, bibliotecas e depósitos de papel esquecidos pelo mundo.

No pior dos casos, podem mesmo servir a ideologias destruidoras e mesquinhas, como a teoria posta a serviço da inexistente superioridade genética de certas “raças” humanas.

Ao contrário do que imaginam os desavisados, o verdadeiro saber não pretende ser instrumento de poder para poucos, não é arrogante e não exclui ninguém de seus benefícios. Quanto mais se domina um ou vários assuntos, mais claro se percebe a fragilidade humana e a finitude da qual ninguém escapa.

O prazer que o conhecimento propicia é íntimo, simples e irresistível. Muito parecido com uma paixão, ele aquece e faz caminhar, leva sempre a quebrar limites, estende para mais longe o horizonte e dá novas razões de viver.

Títulos e diplomas podem existir para efeito externo, podem ser úteis para a vida profissional, mas provam muito pouco. Fundamentalmente, o conhecimento é uma luz sempre acesa, a certeza de um sentido para a vida, uma garantia de não estagnação.

Daeda Amorim

dinalvaheloiza@hotmail.com

Edição, Jornalismo, Propaganda e Marketing

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