terça-feira, agosto 08, 2017

Por que uma Conferência Mundial de Humanidades?

E como projetar um novo modelo à sociedade, fundado precisamente no conceito de humanidade? 


Adama SAMASSEKOU nos responde, ele é o mentor e presidente de uma das mais importantes conferências deste século, a Conferência Mundial de Humanidades, que acontece na Bélgica, em Liège, Uma parceria da UNESCO com o CIPSH, a cidade também reconhecida como "Cidade Ardente", tanto em espírito quanto em desenvolvimento, é multicultural, e se localiza no coração da Europa, onde ocorre este que é um evento sem precedentes na história da humanidade, sob o alto patrocínio do Rei da Bélgica, a WCH - Conferencia Mundial de Humanidades.




Diante o fracasso do atual modelo em desenvolvimento, onde prevalecem valores em cultura do ter, em detrimento dos princípios da cultura do Ser, é imperativo que se estabeleça um novo paradigma às sociedades de todo o mundo, e que este novo modelo, tenha em suas bases, a humanidade e seus princípios mais valorosos, um modelo que priorize as relações humanas, em única saída possível aos indivíduos e sociedades, diante o desencanto que se estabeleceu.

Humanitude - são as nossas relações humanas para com outros humanos é também, o nosso exercício permanente em sermos humanos, nossas relações em humanitude, o que exige uma relação permanente de solidariedade - livre do cálculo - um impulso espontâneo em acolher o outro. A humanidade torna possível "conectar humanos a humanos", ao contrário de uma cultura totalitária em "ter", o que leva a relações de aquisição permanentemente conflituosas, e mesmo dominadoras.

                                                                 Adama SAMASSEKOU

A ideia inicial de promover uma Conferencia Mundial de Humanidades, surgiu para Adama SAMASSEKOU, em 2009, quando ele exercia seu primeiro mandato como presidente do Conselho Internacional de Filosofia e Ciências Humanas (CIPSH), organização não governamental criada sob os auspícios da UNESCO em 1949.
O que ocorreu, segundo Adama, após uma reflexão sobre três aspectos determinantes:
   
Em primeiro lugar, os episódios recorrentes em instabilidade que alcançou fortemente as sociedades durante o período 2008/2009, provocando a crise global financeira, um acontecimento que ao final tornou-se mais do que apenas uma crise financeira ou econômica, tendo se transformado em uma crise "generalizada".

Na verdade era uma crise de humanidades, o que de certa forma, confirmou a falência do modelo dominante do desenvolvimento neoliberal, praticado principalmente pelos países ocidentais, provocando uma profunda perda aos valores humanos.

A segunda observação, pontuada por Adama, foi a progressiva marginalização das ciências humanas, fato que ocorreu em contexto global. “Como admitirmos, que diante uma situação caótica e crise generalizada, enquanto, aqueles que detinham a responsabilidade em nos explicar a complexidade das transformações sociais, estarem ali paralisados e incapazes de se mover?”

O terceiro ponto, que definitivamente levou Adama a essa reflexão, ocorreu ao perceber a falta de envolvimento, senão a ausência total, e mesmo o abandono de estudiosos das ciências humanas em todo o mundo, ao exercício da produção e cooperação intelectual global. A situação foi agravada pelos riscos do desaparecimento de conhecimentos tradicionais e mesmo, a extinção de metade das línguas do mundo - estas que agora são conhecidas como epistemicidas e linguicidas.

Por essas observações, conclui Adama, é que em 2009, “pareceu-me não apenas óbvio, mas também imperativo, propor que a UNESCO organize uma Conferência Mundial de Humanidades (WHC). A primeira tentativa desse tipo teria como objetivo, dar início ao processo de reabilitação das ciências humanas em todo o mundo.
   
Tornou-se comum dizer, que o nosso mundo, se encontra em meio a uma crise multidimensional, e aparentemente sem fim. Esta crise, de fato revela uma perda de significado, reforçada por uma tendência à homogeneização das culturas do mundo, e pela globalização acelerada dos mercados.

Esse fator está provocando uma verdadeira desumanização nas relações entre indivíduos, sociedades, povos e estados.  Os recentes desafios ambientais, energéticos, demográficos e digitais - somados às desigualdades e à pobreza existentes, acentuam o sentimento generalizado de angústia existencial e a falta de confiança no futuro.

O modelo de desenvolvimento que mais prevalece em tempos atuais, está baseado no que eu chamo de cultura do “ter”, do lucro, diz Adama.  Este modelo já mostrou suas limitações. E a crise atual, confirma sua falência. É um modelo responsável pelo euro centrismo e o centrismo ocidental, reconhecidos nas relações internacionais, tanto em termos de bens como de produção intelectual.

Como resultado, uma mudança de paradigma centrando seus esforços em promover valores mais alinhados com a cultura do “ser”, tornou-se imperativa.

Uma ansiedade insuportável

A questão central para a realização da Conferencia Mundial de Humanidades (WHC) - é discutir o papel das ciências humanas no século XXI, caracterizada pela diversidade cultural, o fracasso de várias formas de pensamento que caminham em uma só direção, e a necessidade em se reintroduzir considerações de médio e longo prazo ao raciocínio diário.

Este é um século alcançado por questões prementes, e ainda sem ações solucionáveis, a exemplo das alterações climáticas, migração crescente, tensões sociais e econômicas - cuja resolução depende em grande parte das habilidades interculturais, e a imperiosa compreensão da unidade humana com toda sua diversidade. É ainda de fundamental importância o atendimento das necessidades em se reforçar as relações das ciências com todas as disciplinas, bem como as artes e as tecnologias.

O início deste século figura em um avanço estrondoso do terrorismo global, não poupando nenhuma região no mundo, nenhum país, com violências que atingem cidadãos e cidadãs, tão cegamente quanto atinge animais, e as maiores vítimas são inocentes, vítimas de uma violência gratuita, bárbara e indescritível.

O planeta atravessa uma ansiedade insuportável, tanto mais que tais atos de violência - conhecidos somente durante as conquistas e guerras de libertação colonial, permaneceram relativamente na obscuridade desde a Segunda Guerra Mundial, com poucas exceções.

O objetivo principal da Conferencia Mundial de Humanidades- WHC é, portanto, estudar maneiras pelas quais as humanidades estão colaborando, ou mesmo, possa vir a colaborar em nível nacional, regional e internacional, à compreensão e mensuração das transformações culturais ligadas à globalização gradual das trocas de informações, a fim de gerenciá-las melhor - em todas as suas dimensões econômicas, sociais e ambientais.

Diante da crise social e humana que estamos vivenciando e de um mundo quebrantado onde o processo de desumanização é crescente, e continuamente, ganha força, a ambição do WHC é construir um diálogo fértil entre as mentes de hoje sobre os desafios, as soluções e novos conhecimentos, através do qual as humanidades podem tornar nosso mundo mais legível, menos opaco, menos antagônico, menos cruel e ao mesmo tempo, que promova à nossa esperança compartilhada, os princípios valorosos em humanidade.

As humanidades são uma celebração de gênio entre as línguas humanas e do conhecimento, decorrente da proliferação de nossas práticas sociais, políticas, econômicas e artísticas.

Reabilitação e reconstrução das ciências humanas

O título do WHC, "Desafios e responsabilidades para um planeta em transição", coloca claramente as questões subjacentes a esta conferência. Segundo a UNESCO, os principais desafios do nosso planeta em transição são: crescimento populacional; A recomposição de territórios; Fluxos de migração; Restrições energéticas e ambientais; A homogeneização das culturas no contexto da globalização - e inversamente, a construção de novas identidades; E a chegada da era digital, que muitas vezes cria uma sociedade dividida.

Existe o sentimento de que os modelos de desenvolvimento prevalecentes falharam, especialmente o modelo neoliberal que parece se impor contra os povos do mundo. Neste contexto, torna-se imperativo reconsiderar o papel das ciências humanas nas nossas sociedades contemporâneas. Precisa ter em conta as especificidades e os recursos inerentes a cada cultura, valorizando-as sabiamente e as possibilidades de troca, de diálogo e de enriquecimento mútuo entre elas.

O WHC é, portanto, uma oportunidade de recuar para reabilitar e reconstruir as ciências humanas, produzir uma mudança de paradigma, permitindo a reinvenção de um mundo fundado no respeito pela sua rica diversidade cultural e linguística. Este novo paradigma nos permitirá substituir as relações conflituosas da concorrência por uma solidariedade genuína e universal, que é a única maneira de ajudar a enfrentar os desafios do nosso planeta em transição!

Em suma, temos que saciar a sede deste planeta em humanidade, vivendo e consagrando nossa Humanitude!

Adama Samassékou (Mali) é presidente da World Humanities Conference (WCH). Ex-ministro da educação nacional no Mali presidiu a comissão preparatória da Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação, (Genebra, 2002-2003). Samassékou também foi o primeiro secretário executivo da Academia Africana de Línguas da África (ACALAN), com sede em Bamako. Depois de dois mandatos como presidente do Conselho Internacional de Filosofia e Ciências Humanas (CIPSH), de novembro de 2008 a outubro de 2014, onde atualmente é presidente honorário.

#WordHumanitiesConference

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